Um caso de demência multifatorial
DOI:
https://doi.org/10.32385/rpmgf.v37i6.13024Palavras-chave:
Demência, Declínio cognitivo, Neurossífilis, Cuidados de saúde primáriosResumo
Introdução: A demência pode apresentar-se com deterioração de um ou vários domínios cognitivos, caracterizando-se pelo impacto e desadaptação nas atividades de vida diária (AVD). A apresentação deste caso clínico justifica-se pela incidência crescente deste diagnóstico e pela importância do reconhecimento atempado de fatores causais reversíveis para o mesmo, que permita a realização de tratamento dirigido e a minimização de complicações.
Descrição do Caso: Homem de 70 anos, solteiro, ex-fumador, com antecedentes de alcoolismo e de comportamentos sexuais de risco. É trazido pela filha à consulta por um quadro com quatro anos de evolução de alteração comportamental, com episódios de heteroagressividade, discurso incoerente, perda progressiva de autonomia e autonegligência e descoordenação motora associada a alterações da marcha com quedas frequentes. Destaca-se a deteção, duas semanas antes da data da consulta, de lesão cutânea escrotal com 4x2cm de diâmetro e 2cm de espessura, de consistência elástica, indolor, ulcerada, compatível com goma sifilítica. Por suspeita de sífilis terciária é encaminhado para o serviço de urgência (SU), com posterior internamento e confirmação de neurossífilis, tendo cumprido terapêutica prolongada com penicilina endovenosa (EV), com melhoria do quadro neurológico. Três meses depois é reinternado por reativação de neurossífilis e medicado com penicilina, seguindo-se, após alta, um agravamento do seu estado clínico, com caquexia, diminuição global da força muscular mais evidente ao nível dos membros inferiores, disartria marcada e disfagia progressiva. Faleceu 11 meses depois, por pneumonia associada aos cuidados de saúde.
Comentário: Neste caso clínico destaca-se a presença de uma causa potencialmente reversível de demência: neurossífilis. Após tratamento verificou-se uma melhoria parcial do quadro; contudo, sem completa recuperação e com posterior deterioração progressiva. Este aspeto justifica-se pelo diagnóstico tardio e pela presença concomitante de outros fatores etiológicos para a síndroma demencial. Pelo conhecimento dos antecedentes pessoais, do contexto sociofamiliar e do estado prévio do seu doente, o médico de família encontra-se numa posição privilegiada para o diagnóstico precoce e orientação destas situações.
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Referências
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